Fala Comigo André

Oi André, já nos conhecemos, transamos e tal; adoro você, mas vamos ao que interessa!
Eu estou apaixonado por um cara, saímos algumas vezes, já transamos, já fomos ao cinema, saímos para beber, enfim, eu sempre faço questão de demonstrar pra ele um certo carinho e o quanto a presença dele me faz bem, mas não sinto reciprocidade, acho ele um tanto frio. Mando mensagem, “tipo” escrevo um texto, ele me responde com uma palavra, não manda bom dia, não manda boa noite e eu não consigo tirar ele da cabeça, cada mensagem que recebo fico na expectativa de ser uma mensagem dele, eu não sei mais o que eu faço!
Apaixonado

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Fala comigo, gay!

Esquece tudo que tu pensa que sabe sobre relacionamento! É isso mesmo!

A gente imita as pessoas, as que a gente conhece, as da TV, as do Instagram…

Tu é gay (ou bi, não sei), o que significa que todas as suas referências de relacionamento ao longo da vida foram de relacionamentos hétero e de romance hétero. E vocês são dois homens! Ou seja, essa fórmula de como tem que ser um relacionamento não se aplica ao seu caso, e nem ao de nenhum gay, porque não dá pra namorar um homem como se namora uma mulher, ou vice-versa.

Mas vamos começar com uma pergunta simples:

Por que tu se apaixonou por esse cara, pra começo de conversa? Não é recíproco, ele é frio, não demonstra interesse… O que ele fez pra merecer que tu se dedique a ele?

Esse é o primeiro passo pra solução do problema: se questionar. “Ai, André, não sei… É paixão, a gente não controla.” Não, viado! Eu tô aqui pra te dizer que a gente controla, sim. O nosso gosto, o nosso tesão, a forma como a gente idealiza as coisas e se relaciona é algo aprendido através de observação. A gente aprende que amor tá relacionado a sofrimento, que é obrigação da pessoa interessada de conquistar e convencer a pessoa desinteressada. E essa forma de se relacionar não é saudável, mano!

Toda a ideia tosca de casal, que se popularizou no romantismo, encabeçado por Shakespeare, refletia a forma como as pessoas achavam que deveriam se relacionar no século XIX!

A gente precisa parar de esperar chegar a nossa vez de viver algo, só pra reproduzir tradições antigas e que não fazem mais sentido hoje! O amor romântico impregnou a literatura, o cinema, a música e as pessoas não questionam esse romance que é vendido pra sociedade.

Seja um pouco mais exigente por quem tu vai se apaixonar. Não se contente com pouco. Fique e goste de quem gosta de ti. Tu precisa avaliar mentalmente o tempo todo o que o outro tá te dando em troca do carinho e da atenção que tu tá dando pra ele. Relacionamento é uma troca. E também é saber entender que o outro não vai satisfazer 100% das nossas necessidades, e que uma relação saudável é uma relação livre pra cada um poder suprir de outras formas o que o outro é incapaz suprir.

Mas agora, se a pessoa tá te devolvendo apenas migalhas, é melhor buscar alguém que retribua minimamente à altura, concorda?

Eu sei que parece surreal eu dizer que dá pra gente controlar nossos sentimentos, mas, com prática, dá pra controlar mais do que a tu pensa. A gente não aprende educação emocional na infância. Aliás, o viado não tinha nem que gostar de outro homem, imagina ser educado sobre isso! E depois de adulto tem o machismo que anula os sentimentos do gay da mesma forma que anula os sentimentos dos héteros e a gente tem que ser apenas uma máquina de sexo muito máscula.

Então o meu conselho é: explore mais o que é se relacionar com outro homem, e não apenas viver os clichês. E garanta que não seja apenas você a fazer escolhas e decidir como vocês devem passar o tempo juntos. Em alguns casos têm sempre um viado que é cheio de sonhos e clichês de relacionamento que quer viver, cheio de planos e um outro cara que não sabe direito o que fazer, mas que sabe que a forma como o parceiro quer conduzir a relação não tá legal. Então escute o cara. Pergunte o que ele gostaria de sugerir. O que ele gostaria de fazer. Se relacionar é ceder seu tempo pro outro, e depois o outro ceder o dele pra você. E cada um mergulha um pouco no gosto do outro. A relação vale a pena quando, mesmo tendo histórias diferentes e gostos diferentes, tu admira e se diverte com a forma que o outro vê o mundo.

Ah, e algumas pessoas simplesmente não sabem sair de relações, dizer que se arrependeu, magoar o outro. Então pergunte muito claramente a ele se tá curtindo ou se não tá a fim, porque às vezes é só disso que a relação precisa. E se ele não estiver a fim, cada um segue sua vida. Seja maduro!

Tendo dito isso, vamos abordar um contraponto: Não é porque alguém não te ama da forma que tu gostaria de ser amado, que essa pessoa não te ama com tudo que ela tenha. A gente também espera que o parceiro demonstre o amor dele da forma como vemos nos filmes e nas séries, se deslumbra e idealiza a forma como queremos ser conquistados, que geralmente são baseadas nesse amor romântico, heteronormativo, que não cabe na nossa vida. E não é assim que funciona! Não existe um roteiro. Se relacionar também é aprender a enxergar a forma como o outro demonstra seu carinho, seu afeto e seu tesão. Então quando tu diz que ele é frio e tu não sente reciprocidade, será que ele não tá demonstrando isso de outra forma, diferente de como tu idealizou? Observa isso!

Um exemplo besta: Eu saio com um cara de 37 anos. Eu tenho 25. A minha forma de demonstrar as coisas é diferente da dele. Isso nunca vai mudar. No início eu me frustrava porque a gente ia nuns bares finos e eu queria tomar os drinks mais exóticos e queria que ele também tomasse, mas ele sempre pedia um drink clássico e muito sem graça comparado ao meu. E eu pensava: “Poxa, que sem graça que ele é.” Porque eu queria me aventurar com ele e experimentar coisas novas. E a gente continuou indo aos bares e eu sempre pedia um drink exótico e ele um clássico, e a gente experimentava o drink um do outro. E isso virou uma tradição. Virou algo nosso. Eu sei que ele sempre vai pedir um clássico, e ele sabe que eu sempre vou me arriscar. Pedir um drink exótico é a minha forma de demonstrar que eu quero apresentar um mundo novo pra ele, me aventurar e me divertir, e ele sempre pede um drink clássico pra demonstrar segurança e estabilidade. Se eu pedir um drink exótico e for muito bom, eu vou dividir esse prazer com ele. E se eu pedir um drink exótico e for ruim, eu sei que sempre vai ter algo certo na mesa pra gente beber junto. Se isso não é uma forma dele dizer pra mim “se algo der errado eu tô aqui, tô preparado pra te segurar”, então eu não sei o que é!

A beleza tá onde a gente quer ver beleza.

Para de ser louca e ficar esperando que toda mensagem seja dele. Vai viver a tua vida e se tornar alguém interessante!

Um grande abraço!